Na Boca do Sol
Oscar D'Ambrósio


“Na Boca do Sol” traz discussões sobre a apropriação do espaço em várias dimensões, três internas ao Museu de Antropologia do Vale do Paraíba, em Jacareí e mais quatro externas, que envolvem o município como um todo. Estabelece-se assim uma série de elos entre aquilo que de fato se vê e aquilo que é possível, pela nossa imaginação, ver.

O título aponta justamente para um local abstrato, não existente, um lugar ermo, uma coordenada geográfica qualquer, imaginária, que tanto pode ser o próprio Museu como os locais de instalação dos quatro mastros no município. O nome provém de uma das referências do artista, o músico, maestro e arranjador Arthur Verocai, que em 1972 lançou um álbum memorável, no qual continha a música de mesmo nome.

O elemento essencial da proposta está no mastro. Trata-se de um elemento que remete à infância do artista, nascido em Jacareí, e introduzido pela família em festas religiosas e populares. Em ambas, a verticalidade se faz presente. Comum nas devoções rurais, muitas vezes com um santo no topo, como nas festas juninas, o mastro também aparece em procissões e inclusive no pau de sebo, que não deixa de ser uma metáfora do processo de ascensão. No alto das esculturas, porém, o artista instala dois espelhos, que passam a sacralizar a própria paisagem do entorno, refletida num jogo arbitrário regido pela luz e pelo movimento da Terra em torno do Sol.

Dentro do Museu, há sete mastros dispostos em linha reta, sugerindo um caminho a ser percorrido, sendo que cada um deles, em sua dimensão vertical, como elemento simbólico, e horizontal, pela condução do olhar que propicia, indica uma direção que se articula com o todo do projeto. Dialoga, assim, com seus trabalhos anteriores, onde hastes, tanto em ambientes de praia como em colinas, apontam para procedimentos e métodos da engenharia civil, da arquitetura, topografia e agrimensura.

No entanto, a proposta de Brito não gera dados exatos, mas propõe formas próprias e poéticas de ler a paisagem, revelando seus aspectos topográficos, atmosféricos e biológicos. Gerando, assim, uma reflexão sobre a lógica e a dinâmica do local. Nesse aspecto, esclarecendo esse processo de criação e essa poética que se aproxima da ciência, um vídeo, na sala anexa, mostra a jornada e toda a mobilização humana necessária para se materializar a obra. A música ”Caboclo”, de Verocai, interage com esse universo do trabalho dos homens no campo, mergulhados na imensidão do espaço, “descendo do horizonte”, “deitado na paisagem”, “passeando pela luz”.

Há, ainda, uma sala escura e silenciosa, com a taipa de pilão exposta, onde dois eucaliptos formam uma espécie de cruz. A disposição pode sugerir direções aleatórias, mas também indiciar as localidades dos mastros instalados no território da cidade. A música “Velho Parente”, de Verocai, traz outras leituras com o verso “os filhos não dormiram ao lado da velha cruz”, atribuindo um caráter fúnebre à instalação, potencializado pelo livro que escora uma das hastes: ”Como Era Verde Meu Vale”.

Fora da exposição, os quatro mastros estão instalados nas direções: Norte, Sul, Leste e Oeste. Formando um estratégico quadrilátero que tem o Museu como centro. Espelhos no topo de cada mastro e o livre movimento ao ritmo de ventos e brisas reforçam o dinamismo da arte e seu infinito refletir. Essa relação dos mastros com os intempéries já foi explorado pelo artista em outras oportunidades, num exercício permanente de lidar com mutações, seja no ciclo de vida de uma obra, nas surpresas que o viver proporciona ou na visualização dos espaços como uma atmosfera do pensar.

A música “O Mapa”, de Verocai, desperta essa concepção de que a própria cidade se torna o trabalho, sua paisagem, seu terreno e seus logradouros: “A praça, o povo, a fé. O campo, a bola, o café. E nada vai bem ou vai mal. Que mapa estão os meus pés?”. O artista fala de sua cidade usando-a de fato.

Dessa maneira, é instaurado um diálogo de memórias entre a natureza, o ser humano e a interação entre ambos, seja pelo fazer ou pelo pensar. Evidencia-se ainda mais aqui a relação do artista com os ambientes que transita, não apenas como observador, já que seu trabalho é justamente o de interferir neles de maneira criativa, aprendendo com seus níveis, desníveis e eternas metamorfoses.

O conjunto de 11 mastros, o vídeo e a cruz, constitui um amplo mecanismo capaz de deslocar o público para fora do museu, e vive-versa, direcionando o observador dos mastros externos para o centro do quadrante, a própria exposição. Pode-se pensar, assim, tanto nas infinitas possibilidades de diálogo da arte com seu entorno, como nas do artista com a cidade e nas de cada indivíduo com as percepções que a exposição propicia.





︎︎︎ Voltar